sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Um ponto de vista sobre o tempo

Dizem que a história começa assim: Gaia deu uma foice a seu filho Chronos, que castrou Urano, seu próprio pai. Atormentado pelo receio de ser destronado e morrer como ele, passou a devorar todos os seus filhos, até que sua esposa Rhéa lhe deu uma pedra no lugar de um deles: Zeus. Não se sabe como ele engoliu uma pedra pensando que era um filho, mas o fato é que Zeus cresceu, partilhou o mundo com seus irmãos e triunfou sobre deuses e homens.

Chronos, vingativo, traído por esposa e filhos e também um filho traidor, é um senhor de reputação duvidosa e de ficha um pouco suja. "Matar o tempo", portanto, é uma expressão perigosa. Jamais deveríamos, nem como legítima defesa, investir contra esse sujeito que come até pedra! Alguma dúvida de que ele seja mesmo doido? De toda forma, não vale a pena arriscar. Alguns tentam correr contra ele, mas um titã deve ter passos largos.

Bem,não seria Zeus, um filhinho mimado, que acabaria de vez com seu poder. Chronos continua entre nós. Simbolicamente e das mais diversas formas. Vamos falar de relógios, por exemplo. Neles, Chronos pode ser encontrado em quatro pacotes (hora, minuto, segundo e milésimos de segundo): para todos os gostos e bolsos. Contudo, nem sempre foi assim. Dependíamos de sol, água e areia antes de inventarem os relógios mecânicos, de pêndulos e ponteiros. Com eles, o dia que era acompanhado por nossas medições imprecisas passou a ser cronometrado. Para cada medição, uma hora equivalente. Para cada espaço percorrido por um ponteiro, um tempo transcorrido.

Há o tempo portátil, de bolso, de pulso e no celular. Ele também nos acompanha onde antes não costumava estar: em telas de computador, no televisor e no display de vários outros aparelhos.

Relógios são os (des)necessários (in)convenientes do cotidiano, especialmente se temos banco às catorze horas e dentista às dezoito. São eles que nos confirmam que um atraso de vinte minutos é perdoável. Também nos lembram que uma ligação de três segundos no celular é de graça!


Pois é assim que se vive: com exatidão. Ela aumenta linearmente do relógio de sol, da ampulheta e do relógio mecânico de ponteiros até o relógio digital.Nossa relação com cada uma destas formas de medir o tempo pode dizer muito sobre como vivemos hoje.

Tudo porque o chamado fluxo natural da vida foi marcado pelo movimento quase imperceptível das sombras,depois pela areia escorrendo devagar. Então observamos o tique-taque dos ponteiros que passeiam e hoje convivemos com a mudança repentina de 14:59 para 15:00 no visor digital, que nos assusta e faz apressarmos o passo. Sentimos que de repente as horas são pontuais. Delas, você não acompanha o devir, o fluir. Mostram-se apenas quando já são ou estão.

Bem,é hora de ir, porque o tempo é um velho que come criancinhas. É o bicho-papão da História de todos e de cada um.

3 comentários:

Síria Mapurunga disse...

Coincidência!

Pensei muito durante essa semana em escrever sobre a pressa. E pensei tanto, mas tanto que cheguei a conclusão de que hoje a maior contra-revolução que pode ser feita é parar o tempo. Veja que mudança se as pessoas simplesmente parassem. Parassem e observassem o tempo passar. A preguiça, (e eu não estou brincando)então, seria a atividade-mor. A preguiça ou o ócio, como queiram!

Durante esses dias, tive pensando que meu corpo e minha mente pedem várias vezes pra eu começar essa revolução às avessas!

*Joy* disse...

Chronos, Saturno, Tempo.
Bom mesmo seria arranjar um meio de nos livrarmos deste ser onipotente, que dá início e fim a todas as coisas. Os relógios não o controlam, ao contrário, regulam a vida da gente. Tornaríamo-nos infinitos caso não nos importássemos em mensurá-lo. Ou, pelo menos, teríamos esta ilusão. No entanto, ele é mais poderoso e sempre nos devora.

Sávio Mota disse...

Há essa característica própria da modernidade, a contradição, que me motiva e me perturba para falar do tempo: sim, o homem, na tentativa de domar o tempo, acabou por tornar-se seu domínio. Acorrentamo-nos a uma engrenagem do tempo, tão sutil instrumento de escravidão que acabamos por nos fundir com ela. Tudo isso é patente e inquestionável.

Porém foi essa mesma modernidade que nos trouxe às vistas a idéia de tempo; e, mais significativo ainda, de seu plural: tempos. Uma conquista, decerto, que trouxe à vida secular a liberdade do pensamento para fora ou além de "seu tempo".

Vivemos essa contradição, em que há conquista e derrota. Não afirmo-a aqui, mas é preciso, ainda que com numerosas ressalvas, saber colher o fruto bom que desta árvore se projeta: a noção humana da temporalidade.