Pra começar, um pouco de “dicionarismo” não faz mal a ninguém, exceto quando se trata de lições de moral. E, definitivamente, a discussão a que me proponho, aqui, não chega perto disso.
"Legal" é o que está conforme a lei, relativo à lei, prescrito pela lei, certo, regular, em ordem. Popularmente, é o nosso velho “como deve ser”. "Legítimo" é o que está fundado no direito ou na razão, tem força de lei e é válido perante a lei. Mas, além dessas acepções, também é possível ser identificado como algo verdadeiro, concludente, genuíno, puro, autêntico.
Diante disso, vem a tal da questão: tudo que é legal é legítimo? Não, não é. Vejam só o nosso – vou usar termos jurídicos pra mostrar que também sei usar alguns, apesar de muitas vezes não significar absolutamente nada – respeitável ordenamento jurídico! Obsoleto, antiquado, velho e caduco. Como se não bastasse, também serviu, serve e, se não me engano, deve continuar servindo para que uns poucos tenham acesso àquilo que já têm e para que outros muitos continuem sem acesso ao que não têm. O nome disso em linguagem disfarçada? Aí, vocês podem chamar do que quiserem: segurança jurídica, direito adquirido, ato jurídico perfeito, ou qualquer outro desses termos cheios de pompa, mas de pouco significado e valor.
Mas, aí nasce uma outra questão: se sob o império da lei não reina necessariamente a justiça, como saber e em que horas invocar a legitimidade de descumpri-la? Verdade seja dita: a toda hora se fala em poder legítimo do povo, e em seu nome é possível fazer a maior “desgraceira” mundo afora. Uma dessas aberrações está encarnada no nosso político demagogo que abusa e usa do nome, da paciência e do dinheiro da gente pra ganhar popularidade e vencer as próximas eleições.
Um problema grande delegar nossa vida em sociedade tanto à esfera do “legal” como à do “legítimo”. Ficamos nessa de ora defender a ordem segura e injusta e ora de gritar aos quatro cantos a justiça insegura que cada um pode criar e manipular.
Por isso, é que estou à procura – e me avisem se alguém encontrar – de uma luz de esperança entre o “legal” e o “legítimo”.
4 comentários:
Uau!
Não há o que comentar.
É por isso que a amo. =***
Essa tua indagação se encontra exatamente no âmago da idéia de democracia; e, não por acaso,, no seio da motivação de quem prega seu fim ou invalidade. Como diria Churchill, Tem sido dito que a democracia é o pior de todos os sistemas políticos, com exceção de todos os demais que já foram tentados.
O conflito aparece no questionamento das leis consolidadas; afinal, como garantir unidade jurídica (e, conseqüentemente, nacional) quando aspectos de uma mesma lei são benéficos a alguns e maléficos a outros casos? Decerto que todo código de leis necessita de tempo para se aproximar da realidade de seus cidadãos; mas, no Brasil, o tempo de experimentação ou as exceções (e excessos) das leis parecem ter ido longe demais...
Para mim, para além da questão do tempo (Chronos), há, de modo geral, a questão ética: só um Direito baseado numa ética consolidada, livre de ideais ideológicos e religiosos, pode se aproximar da legitimidade. Como é característico da modernidade a ética individual, essa definição fica pouco satisfatória. Mas creio que aos poucos se desenha uma nova ética, pós-moderna (como há pouco, pela própria Liv, fui informado): a antropoética.
Isso levaria, certamente, um (ainda mais) longo comentário... mas, essencialmente, já se encontra minha opinião aqui.
Ótima exposição e excelente discussão, Síria!
Sávio, por sua vez, escavou-a e tocou em questões igualmente importantes e eu diria até fundamentais.
A passagem do legítimo de algo genuíno e verdadeiro para algo legal me parece ser o processo no qual “forças ocultas” atuam, realizando a transformação.
Se olharmos para as discussões e decisões políticas em nossa própria cidade veremos um pouco daqueles filmes sobre a máfia, o FBI, a CIA ou órgãos do gênero.
Quero dizer o quê? Os responsáveis iniciais e finais por estes processos, ou seja, o “manda-chuva” e a famosa “canetada” são afastados de nós cada vez que tentamos nos aproximar. Ouvimos “a ordem partiu de fulano, que é do departamento tal, coordenado por uma empresa terceirizada”. Aí perguntamos: “e quem contratou essa empresa”? Temos como resposta, então: “ O grupo X”.
Geralmente são grupos com muito dinheiro e influência política, o que faz com que o legítimo apenas dentro dessas instituições, uma vontade ou projeto qualquer, seja legalizado, ou se torne legítimo perante a ordem social garantida pela esfera judicial.
Exemplo: eu, estudante da Universidade Estadual do Ceará, preciso de mil e um papéis para conseguir uma sala e montar um grupo de pesquisa que lá funcione. Uma instituição privada, no entanto, pode utilizar as salas que quiser para ganhar dinheiro ministrando ali seus cursos. Há uma troca de favores, claro. É essa a questão.
O cidadão que quer construir sua residência ou padaria ali no Cocó não pode, porque é uma Área de Preservação Ambiental Permanente. Definição que some quando se trata de um grande grupo empresarial ou industrial que tem dinheiro suficiente para contribuir com o desenvolvimento da região, construindo algo que movimente e atraia mais “desenvolvimento”.
desculpem pelo comentário enooorme!É que certas discussões me tocam de uma forma racionalmente interessante e acabo racionalmente me empolgando hihihihih
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