sexta-feira, 27 de julho de 2007

O que os olhos vêem até demais

Você passa feito louco pelas esquinas da vida. Estuda a melhor saída, sapateia pelos buracos das calçadas, pinta um futuro incerto. Tem sede? Engole a própria saliva! Cansaço? “Evolutivamente, o homem não foi preparado para suportar o grau de tensão contínua e constante a que está exposto todos os dias”, afirma Dr. Marco Aurélio Dias, cardiologista falecido recentemente. “E agora, Doutor? Que é que a gente podemos fazer se não tem dinheiro, o jeito é agüentar o cansaço e ganhar o de comer pros menino”, explica a moradora da Areia Grossa, comunidade que incendiou há 16 dias.

-Não! Não dá pra suportar a falta de sensibilidade, o superficialismo, não dá, nem quero terminar de embrutecer meu coração.

-Que poético, não? Menina tola falando de sentimentos e achando que isso é bonitinho.

A essa altura, minha gente, tenho pouca coisa pra escrever. Não sei se por falta de inspiração, pouco conteúdo ou poder de síntese, mas meus textos e falas são curtos. O que são muito intensos e bastante visíveis são meus sentimentos. Experimente dizer que tentar ajudar um ser vivo qualquer é caridade! Sabe o que faço? Desabo em lágrimas a cada vez que penso no quão inútil fui por não atender a um pedido por força, digamos, editorial. Bela iniciativa, não?

Sem mais, o que se pode acrescentar sobre um mundo que deixa uma mulher cega e grávida parir o filho em pé e quase vê-lo morrer porque um cachorro da rua sentiu cheiro de comida e resolveu comer a placenta, cordão umbilical e quase tudo o mais que viu pela frente?

Não me venham com frases do tipo “seja a gotinha no oceano”, “faça a sua parte”. Ando muito decepcionada com o ser humano e com todo e qualquer tipo de construção ou vida que seja feita à sua imagem e semelhança. Vejam o que disse um membro de uma associação CRISTÃ sobre a proposta de construir um ginásio poliesportivo dentro da ÚNICA área verde da Regional I: “Me diga o que é mais importante: a vida de uma pessoa ou de uma árvore?”

É, seu João, José ou Antônio Ferreira... não responderei à sua pergunta. Podem trazer Mandela, admirar Gandhi ou Betinho. Não faz a mínima diferença para pessoas como o senhor. Desculpem-me os otimistas de plantão, é só uma fase. A decepção e a desilusão vão passar.

Minha razão é a emoção.

4 comentários:

Sávio Mota disse...

Ontem mesmo estava pensando que toda essa realidade faz parte e é extensão, conseqüência do que chamamos "modernidade". Afinal, o que é "ser moderno"!? Cada vez mais parece ser individualista, esperto e oportunista. Acho que, em última análise, tem tudo a ver com o que você disse, aqui, com exemplos mais claros e, infelizmente, chocantes.

O curioso é que, embora compartilhe suas angústias, me sinto no melhor momento de expectativa quanto Às mudanças do mundo, talvez inspirado pela tomada de consciência ambiental que vai finalmente dando passos um pouco mais largos...

Para a indagação do tal João, Antônio ou José, deixo uma resposta: a árvore vive sem o homem e contribuí para a sua qualidade de vida; o homem não vive sem as árvores e, ainda assim, destroem-na, tiram-lhe a vida, em nome de um jogo político ou de uma ideologia religiosa... Vale lembrar: não houvessem árvores, Jesus Cristo não teria sido pregado numa cruz(e na cruz dele devem ter sido empregadas pelo menos duas...)

Por quê, ao invés de criar um centro esportivo nessa área, tal iniciativa não busca os INÚMEROS espaços vazios e ociosos da cidade!? Por quê não descentralizam a iniciativa e revitalizam as praças com quadras na comunidade do Renascer, no Itaperi, no Mata Galinha!?

"Não, criaremos em uma área nobre." Deve ser para ter mais sucessos no próximo PAN, imagino...

*Joy* disse...

Engraçado, eu achei este texto parecido com o meu estilo. Ou talvez ele se pareça comigo.

No fundo do meu mundo, eu sempre lembro q o dos outros continua a existir. E decido procurar a mola pra ajudar outros a emergirem. Sim, é quase impossível levantar todo mundo. Eu tento fazer o que posso. Não quero ser uma gotinha a menos. Passar conformada pela vida? Eu não.

É decisão difícil essa a de endurecer e manter a ternura. Há que ser forte, mas eu tb choro. Contudo, acho preferível a ser mais um banal, comum e tão igual em face do desigual...

Patricia M. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Patricia M. disse...

O reconhecimento de que essa fase de decepções vai passar é prova de que nem tudo está tão perdido assim. Sim,porque não paramos de dar e buscar sentido (significado e direção) pra nossa existência e pra cada mínima atividade que desenvolvemos.

Essa "modernidade" individualista à qual Sávio se referiu é sobretudo carente de sentidos que orientem nossas vidas em torno da condição humana, da frágil condição humana e acima de tudo planetária.

Oportunistas têm no senso comum diversos argumentos para o sentido que dão às suas vidas. Sonhadores depositam sentidos muitas vezes essencialistas. "lutamos pelo bem de todos". Nisso eles erram. O que é o bem de todos?

Acho que qualquer coisa que não esteja muito longe daquilo que nos aproxima, de tudo o que nos faz humanos: seres com uma diversidade espantosa que permite acasos catastróficos e milagrosos, mas também um corpo unitário. Unitário pela diferença.

Já tô falando demais. Então é o seguinte: coloquemos os erros de raciocínio de cada acerca do sentido que os move no centro da nossa reflexão. Vejamos as dificuldades comuns a todos nós e como estamos interligados ao ponto de dificuldades individuais afetarem a coletividade.

Pensemos no que Alice falou sobre o "tão igual em face do desigual". Sávio assinalou que algo está mudando. Sim, está mudando e não vai demorar.

Alice e demais amigos, penso que não há primavera sem flores. Fabricamos as de plástico pra que ela nunca acabe. Os que salvam as flores restantes, os que fabricam as de plástico, todos têm medo de deter a primavera. O sentido que damos à nossa vida reflete em certo grau o quanto conseguimos lidar com o inaudito, com o mistério do mundo.