
...porém cuidado; você pode não se sentir à vontade.
Alice é uma mulher na altura de seus 40 anos, manicure, que levanta cedo, ônibus, trabalho, ônibus, casa. Alice mora com o marido (Lindomar), os três filhos (Lucas, Edinho e Junior) no pequeno apartamento no subúrbio de São Paulo que pertence a sua idosa mãe (Dona Jacira) que diariamente acorda, lava, passa roupa, cozinha, arruma a casa e dorme... e acorda, lava, passa roupa, cozinha, arruma a casa e dorme... e acorda, lava, passa roupa, cozinha... e vez por outra têm sérios problemas no coração e é afligida por um probleminha de catarata, que tenta, com um esforço comovente, disfarçar. "Já viu o preço do colírio?"
Alice e Lindomar estão casados à vinte anos. Lindomar é taxista, e dentre outras coisas, gosta de tomar uma cervejinha com os amigos e transar com ninfetas. Lucas, Edinho e Junior são os filhos do casal, com idade entre 16 à 25 anos. Garotos que, como todos os filhos da classe média baixa de qualquer lugar, têm seus próprios sub-mundos e segredinhos mórbidos.
Esse enredo é do premiado filme "A Casa de Alice" (Brasil-2007), um drama que se passa no subúrbio de São Paulo.
Você deve estar pensando: o que têm de mais? É apenas a realidade!
Pois muito bem caro leitor...
Rita é uma mulher trabalhadora, têm por volta de seus 40 e poucos anos. Funcionária pública mal remunerada, tenta compensar o baixo salário sendo "galega" nas horas vagas. Pobre Rita! Acorda, ônibus, trabalho, ônibus, mais trabalho, ônibus, casa... e acorda, ônibus, trabalho, ônibus, mais trabalho, casa... e ônibus, trabalho, ônibus... e têm, devido ao extresse cotidiano, sérios problemas de pressão baixa, colesterol elevadíssimo, tirando as pitadinhas de depressão. Rita têm dois filhos; George(26) e Thaís(16) que, "como todos os filhos da classe média baixa de qualquer lugar, têm seus próprios sub-mundos e segredinhos mórbidos".
Rita namora Wando, mecânico, com o qual mantém uma relação de dependência, mas que no entanto nunca a satisfaz por completo. Wando é um homem que entrou na vida de Rita com uma bagagem (enrolado com a ex-mulher e dois filhos apegadíssimos ao pai). Rita sofre por perceber que, entre históricos de ex-mulher e dois filhos apegadíssimos ao pai, ela, em uma porcentagem justa, talvez tenha do Wando algo em torno de 8,3% de atenção. Pobre Rita, cobra do pobre Wando um preço alto, do qual ele nunca vai poder pagar.
O filho mais velho de Rita chama-se George (26), ela por toda a vida, de uma forma desesperadamente auto-sacrificial, investiu 110% de si para proporcionar ao pobre garoto sem pai a melhor educação que ela poderia dar, colocando-o em bons colégios e sempre dando a ele um relativo conforto.
Pobre Rita, não imaginava que seu filho ia se tornar um garoto acomodado que ia desperdiçar todas as chances (e boas chances) de se dar bem na vida. Pobre Rita, viu escoar pelo ralo a possibilidade do filho prosperar, proporcionando a sua pobre e sofrida mãe um mínimo de conforto em sua quase velhice. Pobre Rita! Pobre Rita!
George, como todo bom cara-de-pau mimado, tornou-se um parasita, sugando de sua miserável mãe o que ela tinha (e não tinha) para satisfazer seus mais insanos e irracionais caprichos.
George percebeu (ao menos isso...) sua triste condição às portas de completar seus 26 anos. Tenta correr atrás do prejuízo, mas o tempo é cruel. Será que consegue? Difícil.
Que Deus o ajude!
Sua filha mais nova se chama Thaís(16)... não, não me atrevo...
Isso não é outro filme...
É minha vida!
Sou, por natureza, um grande pessimista! Penso que, devido a minha própria condição, sempre tive predileção por livros e filmes que retratassem a desesperança. Porque, pra ser sincero, é mais fácil acreditar nela. Tenho uma doente atração pelos perdedores.
Por isso sou apaixonado pela literatura de Charles Bukowski (1920-1994), escritor americano considerado o grande profeta dos perdedores e mazelados deste mundo sem sentido. Bukowski revela e esmiuça o anti-sonho; um mundo de marginais, viciados, bêbados e prostitutas, dos quais só não se pode dizer que estão na sarjeta porque sempre decaem um pouco mais.
Assim como na história do filme "A Casa de Alice" e minha própria vida, Bukowski descreve as pessoas tal qual na vida real, retratadas de forma triste, divertida, escatológica e universal, em toda sua vulgaridade e realidade.
A realidade da rotina é chocante ilustre leitor! Porque é bem certo que nosso lar (casa) é, de forma geral, o lugar onde as pessoas (família) conseguem extrair (como tirar pus de uma inflamação) o que há de pior em nosso caráter. Todos os meus e os seus viciozinhos e segredinhos mais insanos não são segredos para quem convive comigo e com você à mais de 20 anos. Basta um pequeno vacilo, um desentendimentozinho à toa, e você vai ter a desgraçada experiência de ver e ouvir, impotente, seus segredos e mazelas serem vomitadas sumariamente na sala de sua casa diante de todos. É de fato, algo animalesco! Acreditem!
É chocante amigos! Comovente e chocante!
Então pergunto: Há esperança!?
Muito bem ilustre leitor, minha porta agora está escancarada para você! Pode entrar! E fique à vontade!
Ou não!
"Percebi ainda outra coisa debaixo do sol:
Os velozes nem sempre vencem a corrida;
os fortes nem sempre triunfam na guerra;
os sábios nem sempre têm comida;
os prudentes nem sempre são ricos;
os instruídos nem sempre têm prestígio;
pois o tempo e o acaso afetam a todos."
ECLESIASTES 9:11
George Facundo
Veja o trailer do filme "A Casa de Alice":
3 comentários:
Posso falar de outro filme!?
Sávio (22), filho adotivo de dois pais surdos, leva uma vida confortável e pacata de classe média alta. Tem um carro só pra si; o pai abastece-o a cada semana, enchendo o tanque.
Aluno modelo por todo o ensino escolar, nunca fumou, nem cheirou, nem bebeu (esta última ação exceto em casos isolados e desconsideráveis de apostas infantis).
Mas não vai a forró, despreza Big Brothers, não gosta de roupas novas, nunca trabalhou, dispensa modismos, largou uma universidade pública no sexto semestre para dar prejuízo em uma particular.
É um incômodo peculiar, também parasitário.
Se bem que a faculdade, assim como o tanque do carro, os mármores da casa, a TV a cabo, a internet; são todos pagos por uma pensão em nome de Sávio, concedida através de uma "brecha jurídica" que ninguém soube lhe explicar ainda. E que terminará em dois anos.
O pai de Sávio, Suarez (57), nunca teve a oportunidade de estudar em nível superior, dada a sua surdez. Não pôde, por isso, se graduar e ganhar um bom dinheiro como todos os seus irmãos ouvintes. Enquanto uns e outros são juízes, professores universitários, engenheiros e médicos, ele virou bancário, mais precisamente escriturário, do BEC. Empacota cheques com ligas amarelas e os põe em malotes de couro encardido a serem expedidos ao interior.
Suarez cresceu e viveu, no entanto, ao lado da mãe, que, essa sim, tinha dinheiro. Cresceu e viveu, portanto, no luxo. E quando viu o filho se fiando numa universidade pública, quis acreditar no sucesso breve do filho.
Por isso torrou quase todo o dinheiro da pensão em supérfluos, sustentando um padrão de vida que, em um bieno, será simplesmente insustentável.
Para quem esperava um salário inicial de talvez R$5000, ganhar por volta de R$500 há de ser uma bomba...
Man, o que quero dizer é que, de modo geral, life sucks! O que posso propor é nos unir-mos, somos a família que pudemos escolher, e buscar, uns nos outros, alguma resposta verdadeiramente significativa do que seja alguma felicidade.
Eu sou muito feliz de ter os amigos que tenho; e isso já é um grande começo!
A vida pode ser uma droga, em geral, mas não era assim que eu a via na infância.
O filme parece interessante. e as nossas vidas?
são filmes cujo roteiro, em sua maior parte,foi escrito sem nossa participação ou consentimento. Personagens que vêm e vão, alguns dos quais responsáveis diretos pelo que somos hoje.
Nossos pais são personagens cujos acertos e erros (esses últimos mais do que os primeiros) têm de ser praticamente engolidos por nós. Muitas vezes eles fazem e nós pagamos.
Acho que sempre fomos diferentes da maioria. Nosso olhar crítico nos impede de aceitar alguns absurdos e nos leva a sonhar com outros maiores.
No fim das contas, depois de viver mais de vinte anos nesse mundo, a gente se vê como um bando de filho mimado e mal agradecido (e a gente pediu pra ser mimado)?.
A gente percebe o quanto as pessoas ficam menos confiáveis principalmente porque insistem em não confiar mais nas outras.
Mas temos sempre alguém na família que nos ampara, temos sempre os amigos, que são uma família alternativa, às vezes muito mais legal do que a família onde caímos sem querer.
A felicidade de poder contar com isso e de descobrir que aquilo que alguns apontam na gente como negativo é na verdade um ponto positivo do qual podemos nos orgulhar é única!
Preguiçosos, parasitas, confusos e incompreendidos do mundo, uni-vos!
Porque certos nomes que recebemos são reflexo daquilo que incomoda os outros. Pro pai que queria um filho engenheiro, o historiador é um babaca perdedor.
Pra mãe que queria uma filha médica, a atriz é uma piada.
Pros "amigos" que querem alguém divertido, o confuso quase deprimido é um saco!
Ninguém pára pra ver, pra perguntar, pra ouvir, pra entender...
e ver quem essas pessoas são e/ou querem realmente ser!
"Tenho uma doente atração pelos perdedores."
Confesso que eu também, George. São, sem dúvida, os mais profundos, diferentes e interessantes. Olha só a lista de vencedores do Brasil: Carla Perez, Clodovil, Diego Alemão (ex-BBB)... E, nas reticências, ficam ainda os muitos felizes com sua profissão liberal e sua tranquila vida que, em nada, ajuda a transformar a mediocridade em que estamos todos mergulhados. Eu não quero ganhar, porque não pude nem escolher se queria competir.
Frases de um perdedor que eu adoro: "Disparo contra o sol, sou forte (sou por acaso), minha metralhadora cheia de mágoas. Eu sou um cara... Cansado de correr na direção contrária, sem pódio de chegada ou beijo de namorada."
...
"Enquanto meus olhos
Saem procurando discos voadores pelos céus"
...
Adorei a analogia, George! E os filmes que se sucederam depois.
"Preguiçosos, parasitas, confusos e incompreendidos do mundo, uni-vos!" Em qual deles não me encaixo?
Encerro com uma frase que acho muito interessante: "O pior filme nacional fala mais sobre nós mesmos do que o melhor filme estrangeiro." Paulo Emílio Salles Gomes
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