quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A Hermenêutica dos Equívocos

“Hermenêutica deve se preocupar não com a intenção que o autor passa para os seus leitores, mas sim com todas as possíveis interpretações que estes possam ter a respeito de determinada mensagem” (Paul Rocœr)

A mudança na percepção da realidade para os seres humanos é constante e varia de individuo pra individuo. Um mesmo fato, relatado por pessoas diferentes, traz implicações diversas, pois o foco da atenção de cada pessoa se detém em pontos que são significativos para elas. Isso revela uma constante variação da percepção do mundo no ser humano, e o enfoque que cada um dá aos fatos revela o seu posicionamento face às suas experiências e à realidade. O cenário da existência humana é composto de muitos fatos, e as pessoas, muitas vezes, fixam-se em um só, sem buscar a sua relação com os demais, perdendo assim a visão do todo. Ao interpretarmos determinada situação, somos levados a perceber apenas aquilo que queremos ver, muitas vezes esquecendo daquilo que outro quer nos fazer enxergar (o que muitas vezes, realmente precisamos).
Em meio ao conflito de enfoques pessoais, se agrega o fato de que a finalidade de determinada mensagem nunca é o resultado que incide em quem a recebe. Isto pode ser melhor explicitado pela fórmula (i)?(e)* (lê-se: a intenção nunca é o efeito) que é um construto da Teoria da Informação e sustenta o fato de que a comunicação humana se baseia, sobretudo, na incerteza das relações do ser humano com realidade e de suas interpretações por parte dos indivíduos.
A incerteza é em grande parte geradora de equívocos, pois a limitação das visões individuais esconde em si um ardil para as significações. Principalmente quando os conteúdos emocionais são explícitos, ocorre uma maior ênfase nas interpretações mal formuladas. Daí surgem os mal entendidos e tudo mais que os acompanha, fazendo com que seja mais difícil voltar a um estado de equilíbrio inicial e a tentativa de um consenso.
É portanto uma armadilha de ter uma visão voltada, em excesso, para si mesmo, bem como a insistência em fazer outra pessoa aceitar esta visão. Pois muitas vezes o outro não vê o mundo igual a você, e acima de tudo não precisa aceitar o modo como você o vê também. Mais admirável é saber que cada pessoa tem seu ponto de vista e que este deve ser levado em conta, mesmo se nós não o aceitarmos de forma total.
Talvez o enigma da aceitação e do consenso seja apenas a consciência de que aquilo que outra pessoa pensa deve ser levado em conta, de alguma maneira, pois é algo significativo para ela. E isso se torna bastante útil para sabermos que o mundo é muito mais do que aquilo que pensamos e vemos nele, sozinhos.


* um conceito semelhante é formulado por Hegel, ao qual chamou de ecologia da ação, sendo esta a idéia de que as conseqüências de uma ação escapam das intenções de seus iniciadores.

3 comentários:

Patricia M. disse...

Interessantíssimo notar as várias perspectivas a partir das quais vc observou o mesmo fenômeno: o equívoco.

Bem, impregnar nossos julgamentos da nossa visão de mundo é comum, mas é perigoso também. A xenofobia, o etnocentrismo exacerbado e outras feridas sociais estão aí pra provar.

Há muitas vantagens em se tomar o mundo pela nossa visão, mas há prejuízos em igual ou maior quantidade, se pudéssemos calcular.

Seria interessante praticarmos o desapego sim. o desapego às nossas próprias convicções, àquelas que nos imobilizam. Pelo menos por um tempo, pra depois retornarmos sentindo o gostinho do mundo de um jeito novo, não da nossa maneira. Pode ser uma experiência positiva ou negativa, mas nos daria a oportunidade de sair do lugar.

me fez refletir bastante, como outros bons textos daqui. Agora é hora de relaxar, pessoal. Quem se habilita a descontrair? hehe só uma sugestão

George Facundo disse...

leonardo,
muito interessante seu texto, pertinente principalmente pra mim que estou transitando tão intensamente no universo das idéias e nas trocas de idéias. nada é absoluto, o conhecer, ou a busca do saber é um exercício constante que faz com que estejamos em contínua metamorfose. enchergo o mundo das idéias como um piquinique, onde todos compartilham sua comida(bagagem de vida) em um mesmo evento(a toalha entendida), uma vez compartilhada vc fica à vontade de usufruir daquilo que foi compartilhado por outros e que agrade sua visão e paladar(cosmovisão). Viva ao mundo das idéias!

Sávio Mota disse...

Meu namoro de quase três anos me fez entender que mesmo minhas melhores intenções comunicacionais não ajudariam em nada o seu sustento se não houvesse uma reformulação da minha forma de pensar.

Criei um ciúme que não tinha; aprendi a ser um pouco mais egoísta e ordinário.

Não sei se isso é de todo bom; mas sei que não é de todo ruim: reclamar, por algum motivo, nos impulsionou a um maior entendimento - talvez por termos ficados mais parecidos.

O que quero dizer é que, aparentemente, encontrei maior resistência da Paula em me aceitar do que o contrário - e talvez isso tenha me ensinado algo precioso para aprender: para aceitar alguém de verdade, é preciso entendê-la um pouco, ouví-la.

Então renasci e aprendi um pouco a amar quem me ama.

(Cara, essa conversa de hermenêutica, percepção e tudo o mais dá pra mais de quilômetro!)