domingo, 1 de junho de 2008

Pátria


Aqui, os pessimistas são servidos a todo instante e os conformistas disputam os restos debaixo da mesa. Queria me proteger da náusea, mas os donos da casa oferecem doces e eu me distraio com a televisão.

Se houvesse mais crianças seria suportável; talvez até alegre. A sisudez de cada cômodo reflete a política padrão: os que fazem e executam as leis precisam externar uma seriedade quase divina, enquanto os criminosos andam desconfiados pelos corredores, rezando para não serem descobertos.

Como o legislador é também criminoso e os criminosos comuns têm sua parcela de poder, todos se tocam superficialmente e guardam ressentimentos que só a diplomacia mais arguta consegue mascarar.

A honestidade é só mais um hormônio em minhas veias. Quando quer se manifestar, é reprimida. "Coisas da juventude", dizem. Pois bem. A alma jovem é serena e ingenuamente sábia. Penso em termos práticos, então: mais dinheiro me compraria um pouco de falsa liberdade, mas ter outro lugar onde viver seria o ideal. Pena não ter pra onde ir...

Eles prometem vantagens e oportunidades de crescimento, mas se a economia vai bem somos os últimos a saber e não há mais um centavo de toda a prosperidade, que foi repartida silenciosamente entre poucos.

Se quer dinheiro, trabalhe! Se quer dinheiro e estabilidade, perca toda a juventude aprendendo várias coisas das quais jamais precisará lembrar e se submeta a concursos, em uma seleção repugnante de robôs programados para um fim específico que ninguém sabe qual é.

É que as funções que eles têm pra jovens nesta casa são obscuramente detestáveis e perversamente inúteis, mas lhe exigem experiência e formação específica em dezenas de coisas que você nunca pensou serem necessárias.

Assim, censurada em minhas vontades, sem tempo pra sonhar e sem dignidade, sou prisioneira entre parentes e amigos, e a casa toda me parece um castelo medieval fedorento e escuro cujas paredes reservam tortura e morte, e o chão inteiro se cobre de mendigos inteligentes, sensíveis e criativos sobre o qual se movem os ricos robôs indiferentes, programados para precariedade, decadência e nada mais.

6 comentários:

Nena disse...

Após ler este texto, resta-me apenas uma coisa:

APLAUDIR!!!

Fantástico, Paula!

Sâmia Siso disse...

Medo... inveja... putz... outras coisas! Esse texto é aquilo que penduramos numa parede e dizemos pro amigo ignorante: "sabe de quem é?". Acompanhado - claro - de um riso pomposo, pavoneante...

Mas não fui eu que fiz, droga! Medo... inveja... putz... outras coisas!!!

Sávio Mota disse...

"Pátria que me pariu, quem foi a pátria que me pariu!?"

Pra quê aplaudir ou pendurar na parede um texto que fala de tudo que não gosto em meu país!? Queria mesmo é que ele não existisse; que não precisasse existir!

Para sempre ter em mente o desafio crítico que a realidade nos exige constantemente. Que todos os brasileiros entendessem o sentido dessa mensagem, meu Deus!

Parabéns, Paula!

Jamie Barteldes disse...

fico pensando sobre o que lugar a que vc se refere. Mas tbm, não faz diferença. Todos os lugares públicos tem estado assim pra mim :P

Patricia M. disse...

Eu queria não ter pensado em escrever isso nunca!

mas vejo que não estou só quando me sinto assim.


a situação não está nada boa.

Dêem uma olhada nesse post:

http://thebestofjamiesofar.blogspot.com/2008/05/les-temps-sont-durs-pour-les-rveurs.html

Patricia M. disse...

corrigindo:

o post é de sábado, 31 de maio.

http://www.thebestofjamiesofar.blogspot.com/